Por que acreditamos ser essa é a melhor escolha para as crianças aprenderem a ler e escrever?
Quando me perguntam sobre o ensino da leitura e da escrita na Escola Santi, tenho a maior satisfação em dizer: “Em nossa escola convidamos as crianças a lerem mesmo antes de saber ler e escreverem mesmo antes de saber escrever. Em nossa escola as crianças leem, desde bem pequenas, contos, poesias, músicas, enciclopédias, escrevem sobre suas descobertas, produzem textos de autoria, reescrevem contos”.
Em geral, a ideia de que as crianças sejam colocadas a ler e produzir textos antes de estarem alfabetizadas causa estranhamento aos pais e mães, sobretudo àqueles que viveram um processo de alfabetização organizado pela metodologia da cartilha que aplicava uma lógica de memorização e decodificação. Primeiro se conhecia todas as letras do alfabeto, depois memorizava-se as combinações silábicas para daí poder ler e escrever decodificando palavras, depois frases e, por último, textos em geral, bem restritos.
Fui uma dessas crianças e, embora já soubesse ler e escrever aos cinco anos, me lembro da imensa alegria que senti quando chegou o dia de ter minha própria cartilha. Também me lembro do sentimento de frustração que veio logo depois, quando descobri que eu só poderia aprender uma página por dia. Meu sonho era chegar logo no “Z da zabumba” porque, a partir daí, viriam os livros. Até lá era: “Ivo viu a uva”, “O bebê babou na babá” epor aí vai. Fora da escola eu escrevia livros de histórias, cartas de amor para minha mãe, bilhetinhos e convites para as amigas. Em casa eu escrevia tudo o que eu não podia escrever na escola.
Havia outras tantas crianças para as quais a aplicação do método não se ajustava, muitas foram obrigadas a refazer a “primeira série” duas, três vezes…
A escolha da abordagem dada ao ensino durante o processo de alfabetização está diretamente relacionada à concepção da instituição e de sua equipe sobre a forma como as crianças aprendem. Uma escola que compreende o aluno como sujeito ativo no processo de construção de conhecimentos não pode restringi-lo a um formato metódico e uniforme de ensino, que desconsidera suas formas de pensar.
Na Santi a escolha teórica estruturante da nossa prática pedagógica é a Psicogênese da língua escrita, estudo desenvolvido pela Dra. Emília Ferreiro na década de 70. Esse estudo é revelador do percurso vivido pelas crianças durante a apropriação da leitura e da escrita e comprova que antes mesmo de compreender as regras de funcionamento do sistema alfabético elas constroem hipóteses sobre o que a escrita representa e sobre como se escreve. Essas hipóteses vão sendo reelaboradas à medida que as crianças têm a oportunidade de interagir com os textos escritos. Daí a justificativa ao convite a começarem a ler e escrever antes de estarem alfabetizadas. Os “erros” neste percurso são vistos como parte do processo e reveladores de sua forma de pensar.
O conhecimento aprofundado das hipóteses construídas pelos alunos neste caminhopermite à equipe pedagógica planejar contextos desafiadores que os provocam a avançar em seus conhecimentos até que compreendam, definitivamente, como o sistema alfabético funciona. Esses percursos de construção são individuais, o que significa que num mesmo grupo haverá sempre crianças em diferentes momentos em relação à apropriação da leitura e da escrita.
Voltando aos estranhamentos das famílias é esperado e legítimo que, por desconhecimento deste processo, tenham dúvidas sobre como ajudar as crianças em casa. Também é compreensível que fiquem impactados quando convidam um colega da turma para uma visita e observam a outra criança com uma escrita bem diferente da que produz seu filho ou filha.
É comum também que os pais e mães se sintam inseguros sobre como proceder quando as crianças dizem: “Eu não sei escrever” ou quando pedem para ditar as letras que devem usar na lição de casa. As lições têm sempre a expectativa de que as crianças produzam da forma como pensam e exigem delas esforço cognitivo, diferente das lições de treino e cópia.
É importante que os pais e mães tenham clareza de que intervir para que os filhos avancem é papel da escola e não se sintam culpados por deixar que as lições retornem para a escola com “erros”. Acima de tudo é fundamental que acreditem neste processo de construção das crianças e que conversem com os profissionais da escola sempre que tiverem dúvidas ou sentirem a necessidade de saber mais.
Envolver os filhos em situações reais de uso da escrita como a produção de uma lista de convidados, de supermercado ou o envio de um e-mail; oportunizar seu contato com livros de literatura, poesia e gibis; criar momentos para ler para as crianças ou junto com elas, são exemplos de ações que, além de prazerosas, potencializam o olhar dos pequenos para a linguagem que se escreve e que todas as famílias podem realizar.
Viver a alfabetização neste formato dá às crianças a oportunidade de construírem sentido para o ato de ler e escrever desde o início e de fazer parte de uma comunidade que convive com textos reais, de circulação social.
Complementando minha resposta à questão inicial sobre o ensino da leitura e da escrita na Santi eu diria: “em nossa escola queremos que as crianças descubram que ler e escrever servem para conhecer e para comunicar coisas inteligentes, divertidas e importantes”.
Dicas e orientações para ajudar pais e mães na interação com os filhos e filhas no período da alfabetização:
1 – Quando a criança diz que não sabe as letras ou que não sabe escrever, lembre-a que embora sua forma de escrever não seja “igual a dos adultos” ela é muito importante. Lembre-a que o desafio é que ela faça o seu melhor e não igual a escrita do papai e da mamãe e que é isso o que a professora espera do seu trabalho.
2 – Uma resposta similar pode ser dada quando a criança pede para lerem algo que ela escreveu. Respondam que ela escreveu como escrevem as crianças e que vocês não sabem ler essa escrita, peçam então que ela mesma leia ou lhes conte sobre o que escreveu.
3 – Validem a produção da criança. Fazer correções ou comentários críticos neste momento pode gerar insegurança, fortalecer a ideia de que não sabe, ou inibir sua coragem de arriscar-se na escrita por medo de errar.
4 – Não façam comentários comparativos entre a produção da criança e de outras da mesma idade. Da mesma forma evite comparar o processo da criança com outros já vividos, como de um irmão mais velho, por exemplo.
5 – Quando a escrita da criança já tem uma estrutura próxima à convencional é esperado que comece a refletir sobre a grafia correta das palavras. Neste momento ela pode fazer perguntas do tipo: “Chuva é com X ou CH?”, e as famílias podem oferecer a resposta prontamente, já que a criança está pensando sobre essas relações.
6 – Sejam rigorosos e exigentes quanto ao empenho e à dedicação, “fazer do melhor jeito” não pode ser confundido com “fazer de qualquer jeito” e essa é uma métrica que as famílias têm total condição de avaliar.
7 – Para além das lições de casa oportunizem o contato da criança com materiais escritos diversos: livros de literatura, almanaques infantis, gibis. Criem momentos de ler para a criança ou de ler junto com ela, invistam também na aquisição de livros escritos em letra de imprensa maiúscula.
8 – Envolvam a criança em situações de uso da escrita, como a produção de uma lista de convidados ou de supermercado, um cartão de aniversário, a produção e envio de um e-mail.
Escrito por Dami Cunha – Diretora pedagógica da Educação Infantil ao 2° ano.
Fotos: Paulo Pepe
Para ajudar as famílias, a Escola Santi organiza anualmente uma palestra de formação para os pais, em que, além de apresentar a fundamentação teórica, a forma como o trabalho é realizado na escola, apresenta uma série de orientações sobre o papel da família. Para saber mais, acesse nosso site.